Nos últimos dias, a vida dos contribuintes tem estado bastante agitada com as recentes alterações feitas pelo Poder Executivo, bem como pelos curiosos posicionamentos do STF. Foi redução de IPI sobre armas – afastada pelo STF através de decisão liminar por entender inconstitucional; redução de alíquota do PIS e COFINS para gás de cozinha e diesel; majoração de alíquota de CSLL para pessoas jurídicas do setor financeiro, mudança na noção de faturamento para efeitos de integrar a base de cálculo de CPRB e o reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança de diferença de alíquota de ICMS para consumidores finais não contribuintes do referido imposto, que teve a surpreendente modulação dos efeitos para 2022.

Por óbvio que as consequências das alterações realizadas pelo executivo e entendimentos contraditórios do STF vão muito além da majoração ou redução da carga tributária ou da arrecadação, pois geram insegurança jurídica para os investidores e empresários que, além de afetados pela majoração dos tributos, observam a reiterada intervenção estatal em diversos setores da economia.

Em todos os casos as medidas de redução de tributos de alguns setores têm por justificativa a função extrafiscal. Explico: existem tributos que possuem função eminentemente arrecadatória, como é o caso do Imposto de Renda, Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Imposto sobre Serviços. Mas existem tributos que possuem função extrafiscal, ou seja, ele é cobrado a mais ou a menos para regular o mercado, seja para baratear o custo de um produto necessário para toda a população, quanto para desestimular o consumo de certos produtos.

Exemplo muito claro da função extrafiscal de um tributo é o IPI, o qual possui alíquotas maiores para cigarros e bebidas a fim de desestimular o consumo, por serem produtos danosos a saúde pela população, ao passo que as alíquotas para produtos de primeira necessidade são normalmente reduzida a fim de tornar o produto mais acessível para todos. Outros exemplos de impostos extrafiscais são o Imposto de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE).

No caso da redução da alíquota para zero do IPI sobre armas de fogo, o Governo justifica a extrafiscalidade com base do direito fundamental à segurança, entretanto, o Min. Luiz Edson Fachin, do STF, suspendeu a Resolução nº 126/2020 que zerou a alíquota sob a fundamentação de que “cabe ao estado diminuir a necessidade de haver armas de fogo, por meio de políticas de segurança pública”. Nesse contexto, cabe indagar se o STF pode afastar redução de alíquota do IPI por não considerar válida a motivação extrafiscal estabelecida pelo Poder Executivo, e essa resposta só iremos obter com o julgamento de mérito da ação em curso do STF.

Já a redução das alíquotas do PIS e da COFINS através do Decreto nº 10.638/2021 respeita a exceção ao princípio da legalidade expressamente constante no art. 27 §2º da Lei nº 10.865 e convalidada pelo STF em recente julgamento, mas ao prever sua aplicabilidade a partir de março acaba por violar o princípio da anterioridade nonagesimal (leis tributárias só podem vigorar 90 dias após a sua publicação), mas é óbvio que por se tratar de redução de tributos ninguém deve reclamar sobre a aplicação antes de vencido o prazo de 90 dias. Com toda certeza se fosse o caso de reestabelecimento de alíquotas já teríamos inúmeros contribuintes recorrendo ao judiciário para afastar a cobrança majorada antes de decorridos 90 dias da publicação do decreto.

Medida mais pesada e impactante e que tem função arrecadatória – até para compensar a perda de receita decorrente das reduções dos tributos incidentes sobre gás de cozinha e diesel – foi a majoração da alíquota de CSLL para as pessoas jurídicas do setor financeiro – instituições bancárias terão alíquotas majoradas de 15 para 25%, o que levou a uma completa instabilidade de tais empresas no mercado financeiro, com enorme oscilação negativa do preço das ações na bolsa de valores.

Nesse caso a majoração da alíquota se deu através da Medida Provisória nº 1.034/2021, que deverá ser validada pelo Congresso Nacional, submetendo-se ao princípio Constitucional da Legalidade. Também em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (eficácia apenas 90 dias a partir da publicação da lei), a CSLL com as alíquotas majoradas só serão exigidas a partir de 01 de julho de 2021.

Nesse ponto vale destacar que a Medida Provisória nº 1.034/2021 poderá ou não ser convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias prorrogáveis por mais 60 dias. Caso o Congresso não converta total ou parcialmente a MP em lei, os dispositivos não convalidados perderão a sua eficácia desde a data da sua publicação. Alterar a legislação tributária por Medida Provisória não nos parece um caminho acertado, sujeitando o contribuinte à insegurança jurídica que pode passar a sofrer com a alíquota majorada do tributo sem que seja aprovada em definitivo sua exação, como já aconteceu tantas outras vezes em nosso País.

E as surpresas para os contribuintes não param por aí, e o STF não para de inovar em seus julgamentos. Senão o que foi o recente julgamento da ADIN nº 5.464, através do qual o STF entendeu que a cobrança de Diferença de Alíquota do ICMS – Difal – envolvendo consumidor final não contribuinte pressupõe a existência de Lei Complementar Federal, sendo, portanto, inconstitucional a cobrança até aqui realizada, já que inexiste a LC até a presente data ? Entretanto, o STF modulou os efeitos para que as cobranças passem a ser consideradas indevidas apenas em 2022, ou seja, embora inconstitucional será mantida por mais longo período!!!

Assim, é de se concluir que nos últimos meses a segurança jurídica está passando longe do contribuinte, seja pela interpretação das matérias dada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelas incansáveis edições de leis e atos normativos que ora aumentam ora reduzem as alíquotas dos tributos; ora concedem benefícios fiscais (sim, a alíquota zero gera um grande benefício ao contribuinte), ora revogam os benefícios no reestabelecimento de alíquotas através de atos normativos infralegais.

Seja para o bem do contribuinte ou para o mal, a Constituição Federal deve sempre ser respeitada, a fim de garantir a segurança jurídica de nosso já tão confuso sistema tributário brasileiro.

Roberta Maia Broder, advogada tributarista, sócia do Nogueira Reis Advogados, Mestranda em Direito Tributário Profissional pela FGV e especialista em negociação pelo Program on Negotiation da Harvard Law school. @robertabroder