Publicações
O Aumento do IOF e a Extrafiscalisdade Tributária
A Constituição Federal (CF/88), em seu art. 153, §1º, autoriza que o Poder Executivo altere a alíquota do imposto popularmente conhecido como Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Este imposto também excepciona a regra da anterioridade, de modo que pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro de sua instituição ou aumento, conforme art. 150, §1º, da CF/88. Pautado nestas regras, o Governo Federal, para financiar o programa “Auxílio Brasil”, editou o Decreto nº 10.797/2021, elevando a alíquota do IOF para os fatos geradores ocorridos entre 20 de setembro e 31 de dezembro de 2021.
Ocorre que o exercício desta competência pelo Poder Executivo não pode ser feito de modo indiscriminado. Esta faculdade está atrelada ao alcance de objetivos extrafiscais, ou seja, que a alteração da alíquota se dê para fins outros que não a mera obtenção de receita através da tributação.
Conceito estranho aos não familiarizados com o Direito Tributário, é preciso esclarecer que a extrafiscalidade consiste na capacidade dos impostos de induzir os contribuintes a praticar ou deixar de praticar determinada conduta, visando o alcance de um objetivo público. Quando o Estado maneja o imposto com fins extrafiscais, a sua pretensão não é a arrecadação. Tanto é assim que é possível que a extrafiscalidade se dê através da diminuição desta, haja vista que propósito da norma é outro, podendo ser de saúde coletiva, a proteção do meio ambiente e etc. É o caso do IPTU Verde, por exemplo, em que o Município concede desconto no imposto para os contribuintes que adotarem determinadas práticas sustentáveis nos seus imóveis. Feito este adendo, regressemos a análise do aumento do IOF.
O art. 153, §1º, da CF/88 estabelece que esta faculdade só pode ser exercida pelo Poder Executivo quando “atendidas as condições e limites estabelecidos em lei”. Em que pese as balizas da atuação não terem sido definidas no texto constitucional, tal trecho já evidencia que estas seriam postas pelo legislador ordinário, como de fato o foram. Por esse motivo, necessário observar também a legislação infraconstitucional, notadamente a Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional (CTN) – e a Lei nº 8.894/1994, que dispõe sobre o IOF.
No que tange o CTN, temos que no art. 65 há previsão de que o aumento da alíquota do IOF, pelo Poder Executivo, deverá ser feito a fim de que se cumpram “objetivos da política monetária”. Enquanto isso, a Lei nº 8.894/1994, em seu art. 1º, §2º, estabelece que esta prerrogativa poderá ser exercida à luz de “objetivos das políticas monetária e fiscal”.
Analisando estas disposições legais e a amplamente divulgada vinculação do aumento do IOF com o financiamento do “Auxílio Brasil”, temos que o Decreto nº 10.797/2021 não atende as diretrizes postas nas normas legais citadas acima, pelo que deveria ser declarado ilegal.
Neste sentido, é preciso verificar se há efeito extrafiscal no aumento do IOF realizado pelo Poder Executivo. Melhor dizendo, investigar se esta majoração induz os contribuintes do imposto a adotar ou deixar de adotar alguma conduta, com fins de obter um resultado coletivamente importante. A resposta é negativa. O ato administrativo em apreço não tem a aptidão de incitar o comportamento dos contribuintes em qualquer sentido.
Além disso, o financiamento do “Auxílio Brasil”, programa social instituído na Medida Provisória nº 1.061/2021 – ainda não convertida em lei – não atende ao requisito de alcançar objetivo monetário ou fiscal. É preciso relembrar que este novo programa social sequer foi inserido na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste exercício financeiro, estando inserido apenas no Projeto da LOA do ano de 2022. Entendimento contrário consistiria em ignorar as balizas postas na legislação infraconstitucional, como se inexistissem limites a faculdade do Poder Executivo prevista no art. 153, §1º, da CF.
Logo, evidenciado está que a elevação da alíquota do IOF através do Decreto nº 10.797/2021 possui finalidade arrecadatória. Nestas circunstâncias, não se aplicam as exceções previstas na Constituição Federal, de modo que a aludida majoração deveria observar as regras da legalidade e da anterioridade. Isto, pois as exceções previstas na CF/88 apenas se aplicam quando a alteração na alíquota for feita para induzir comportamentos dos contribuintes, com vistas ao atingimento de um interesse público. Em decorrência disso, o aumento deveria ter sido feito pelo Poder Legislativo, mediante lei, e impunha-se a regra da anterioridade anual.
À luz destas peculiaridades, concluímos que há, sim, vícios que impõem o afastamento do Decreto nº 10.797/2021 do ordenamento jurídico. Os objetivos pretendidos pelo Poder Executivo não se amoldam às balizas postas no CTN e na Lei nº 8.894/1994. Dessa maneira, o Poder Judiciário deverá ser provocado para apreciar a questão, mas tal provocação deve ser feita com os fundamentos corretos. Como dito anteriormente, a majoração em apreço violou precipuamente normas infraconstitucionais, notadamente o CTN e a Lei nº 8.894/1994, de modo que a afronta à CF/88 é reflexa, não direta.
Paulo Henrique Oliveira Pacheco Junior
Advogado Tributarista do Nogueira Reis Advogados