Desde 1996, o recebimento de lucros e dividendos não é tributado em nosso País em virtude da Lei nº 9.249/1995, que instituiu a isenção de Imposto de Renda sobre essa receita paga para sócios/acionistas. Na época existia um movimento doutrinário e jurisprudencial com o entendimento de que a referida cobrança representaria uma “bitributação”, já que o mesmo valor teria sido previamente tributado pela pessoa jurídica quando da entrada da receita.

Entretanto, a partir de 2019, com os projetos de reforma tributária, a discussão sobre incidência de IR sobre lucros e dividendos recebidos pelos sócios/acionistas de pessoas jurídicas ganhou força, sendo considerado uma “peça fundamental da reforma”, segundo palavras da Assessora Especial do Ministro da Economia, Vanessa Rahal Canado, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, de 24 de novembro de 2019.

E o tema está a ganhar ainda mais repercussão durante a grave crise financeira decorrente da pandemia do “COVID-19”. Houve até Projeto de Lei proposto pelo Senador Randolfe Rodrigues que previu a possibilidade de o Executivo revogar a isenção de IR sobre lucros e dividendos em caráter extraordinário, para o próprio exercício de 2020, com a finalidade específica de custear as despesas com benefício assistencial necessário para o período. O Projeto de Lei nº 766/2020 foi arquivado pelo próprio autor diante das duras críticas sofridas acerca das inconstitucionalidades que o PL possuía, destacando-se a flagrante violação aos princípios da anterioridade e da legalidade.

Apesar disso, ainda remanesce em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.952/2019 que, dentre outras providencias: i) institui o IR sobre distribuição de lucros e dividendos; ii) reduz a alíquota de IRPJ de 15% para 12,5% e do adicional de 10% para 7,5%; e iii) revoga a isenção de IR sobre venda de ações até R$ 20.000,00 mensais (sim, apenas 1% da população investe em bolsa de valores e mesmo assim se pretende revogar esse incentivo fiscal).

Destarte, nada impede que outros tantos Projetos de Lei sejam propostos, inclusive por iniciativa do próprio Poder Executivo Federal, por seu Presidente da República.

Observa-se que a justificativa para o Projeto de Lei nº 1.952/2019 é “a modificação de uma regra que prejudica a progressividade do Imposto sobre a Renda, pois beneficia a camada mais rica da população e estimula a transfiguração de renda do trabalho assalariado em renda do capital”.

Infelizmente, no Brasil, há muito tempo é propagada a falsa ideia de que os empresários são os grandes vilões da sociedade por explorarem a camada pobre da população com o pagamento de baixíssimos salários e lucros impronunciáveis.

Esquece-se, quase sempre, que a imensa maioria das empresas encerra suas atividades antes mesmo do primeiro ano de fundação, segundo dados comumente divulgados pelos órgãos oficiais. E as empresas que “sobrevivem” ao primeiro ano iniciam uma dificílima maratona, estando os sócios sempre intranquilos no seu percurso com os riscos tributários e trabalhistas de suas operações.

Basta ver que o custo de um funcionário contratado pelas regras da CLT representa mais de duas vezes o salário líquido do mesmo, em virtude dos diversos impostos, encargos e obrigações trabalhistas. Por outro lado, o complexo sistema tributário faz com que as empresas tenham que contratar Contadores e Advogados cada vez mais especializados, dispendendo valores que poderiam ser direcionados para a própria atividade caso houvesse a tão sonhada simplificação dos procedimentos contábeis. Esse é o tão conhecido “custo Brasil”!

É fato que os empregados poderiam estar ganhando o “dobro” do que recebem atualmente se o Estado Maior retirasse ou pelo menos minimizasse todas essas obrigações, renunciando sua “fatia do bolo” em prol dos mais necessitados.

Historicamente, reformas tributárias e previdenciárias pretendidas em meio a graves crises financeiras acabam por prejudicar o indivíduo – cidadão, contribuinte e beneficiário – em prol do que chamam de coletividade – União, Estados e Municípios-, tudo isso sob a recorrente justificativa de suposta justiça social e em nome de um estado sempre apontado como “falido”. Ademais, é comum os Governos se aproveitarem do cenário de crise para acelerarem a aprovação de projetos em partes e sem análise cuidadosa e aprofundada, o que normalmente acaba por resultar em legislações eivadas de vícios desde a promulgação, e que são posteriormente retificadas por novas leis e regulamentadas por novos atos, levando à enorme e tradicional colcha de retalhos que verdadeiramente é a legislação brasileira tributária e Previdenciária.

Justamente por essas precipitações e falta de debate entre os setores da sociedade é que quase sempre o Poder Judiciário é acionado na condição de suposto “órgão revisor” para intervir nas celeumas e ilegalidades produzidas.

O que se dizer das inúmeras regras de transição para concessão de benefícios previdenciários ou nos infindáveis atos normativos infralegais que visam esclarecer ou normatizar as leis em âmbito fiscal? A grande maioria delas são frutos de leis incompletas e viciadas, e que foram aprovadas às pressas sem a devida e merecida análise das suas consequências, em um panorama macro e micro.

Não é demais registar que o Ministro da Economia Paulo Guedes, desde o início das tratativas sobre Reforma Tributária, foi taxativo em afirmar que não haveria aumento da carga tributária, pois, segundo seu discurso, a reforma busca simplificar o burocrático e complexo sistema tributário vigente. Entretanto, da análise dos projetos de leis já produzidos até o momento, em qualquer caso, mesmo havendo redução das alíquotas de IR para pessoas jurídicas (em no máximo 5%), a tributação dos dividendos representa um forte aumento da carga tributária.

Seja em grandes, médias e pequenas empresas, acredita-se que a elevação da carga tributária será sentida, merecendo especial destaque as sociedades de prestação de serviços e uniprofissionais que possivelmente serão as mais afetadas.

Não se pode perder de vista que a empresa é uma pessoa “fictícia”, criada pelo esforço de seus sócios, os quais sentem, em última instância, o impacto dos pagamentos dos tributos. É óbvio que haverá um aumento de impostos caso o PL nº 1.952/2019 ou qualquer outro projeto de lei venha a ser aprovado sem que haja uma devida redução ou compensação com os tributos já existentes.

Se parece inevitável que seja instituída essa nova obrigação tributária (IR/Lucros e Dividendos), que ao menos os legisladores tenham bastante atenção para que os empresários não se sintam ainda mais “sufocados” e terminem migrando seus negócios para o campo da indesejada e prejudicial informalidade.

*Roberta Maia Broder é advogada especialista em Direito tributário e Previdenciário, sócia do Nogueira Reis Advogados, especializada em Negociação e Resolução de Conflitos pelo Program On Negotiation da Harvard Law School

Fonte: Bahia Notícias