Paulo Henrique Oliveira Pacheco Junioraa – Advogado tributarista integrante do Nogueira Reis Advogados

A elevação dos custos com o consumo de energia elétrica é tema que está afligindo grande parte dos brasileiros. A crise hídrica, a utilização das termoelétricas e os reajustes da bandeira vermelha são questões que refletem diretamente na conta de energia elétrica. Em decorrência disso, discute-se políticas públicas para modificar a forma como consumimos energia elétrica. Além disso, já há especialistas vislumbrando o retorno dos apagões e da necessidade de racionamento de energia.

Inserido neste cenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se as alíquotas previstas para cobrança do ICMS-Energia Elétrica são ou não constitucionais. Isto porque a constituição Federal estabelece que o ICMS poderá ser seletivo, em razão da essencialidade da mercadoria. Ou seja, os Entes Federativos poderão estabelecer alíquotas diferentes na tributação do ICMS. Ao fazê-lo, todavia, deverão prever alíquotas de acordo com a imprescindibilidade do produto.

Os Estados e o Distrito Federal, lastreados nesta premissa, estabeleceram dois regimes. Os artigos considerado essenciais são tributados sob uma alíquota menor, enquanto as mercadorias consideradas supérfluas estão sujeitas a tributação mais elevada. No caso do Estado da Bahia, as alíquotas atuais são de 18% e 25%, respectivamente.

Porém, na instituição do ICMS sobre ao consumo de energia elétrica, tal regra não foi observada. Os Estados e o Distrito Federal, valendo-se de critérios outros que não a essencialidade da mercadoria, estabeleceram que a alíquota incidente sobre o consumo de energia elétrica seria de 25%. Tal tributação gerou contencioso tributário perante os Tribunais de Justiça estaduais por todo o território nacional, até que matéria chegou ao STF, nos autos do Recurso Extraordinário nº 714.139. O julgamento deste recurso fixará tese jurídica acerca da constitucionalidade ou não da cobrança do ICMS-Energia Elétrica sob a alíquota de 25%, ou seja, vinculará os Entes Públicos.

O STF iniciou a apreciação do recurso, mas foi suspensa após pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, tendo sido proferidos quatro votos até o momento. Os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Carmen Lúcia votaram pela inconstitucionalidade da cobrança nos moldes atuais. Por outro lado, o Min. Alexandre de Moraes divergiu destes, arguindo que inexistiria afronta ao texto constitucional quando os Entes Federativos adotassem outros critérios que não a alíquota para atender ao princípio da capacidade contributiva.

A esta altura, imagina-se que uma vez decidido pelo STF a favor dos contribuintes, os Estados de pronto terão que diminuir a alíquota do imposto para todos os consumidores. Não é bem assim. Ainda que a decisão final seja favorável aos contribuintes, pode ser que o STF dê aos Estados e ao Distrito Federal o direito de somente modificar a cobrança em 2022, ressalvado as ações ajuizadas por contribuintes até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito.

Trata-se de proposta feita pelo Min. Dias Toffoli, lastreado no instituto da modulação de efeitos da decisão, previsto na Lei nº 9.868/1999. Este instituto, que deve ser utilizado por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, tem ganhado cada vez mais notoriedade na seara tributária. Esta norma confere ao STF a prerrogativa legal de restringir os efeitos de decisão que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, bem como definir o marco temporal a partir do qual tal decisão produzirá efeitos.

A Corte Suprema, então, por questões orçamentárias, tem se valido da modulação de efeitos para definir marcos temporais posteriores a própria decisão que declara inconstitucional a lei ou ato normativo. Tal prática já foi adotada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.287.019, também em prejuízo dos contribuintes. Entretanto, é preciso tecer críticas a adoção deste marco temporal. Atribuir eficácia a decisão em momento posterior ao da declaração de inconstitucionalidade não é adequado. Caso declare a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS-Energia Elétrica sob a alíquota de 25%, o STF reconhecerá

que a norma instituidora deste tributo violou a Constituição Federal, notadamente em critério imprescindível para a sua quantificação. Como, então, a exação fiscal permanecerá sendo cobrada de acordo com parâmetros inconstitucionais?

Declarar a inconstitucionalidade de um tributo e ainda assim legitimar a sua cobrança afronta garantias basilares dos contribuintes. O direito tributário é regido pelo princípio da legalidade. Uma vez que a lei é declarada inconstitucional, deve ser excluída do sistema jurídico e, por consequência, o tributo instituído por meio desta norma não mais teria lastro de juridicidade.

Caso o STF decida pela inconstitucionalidade da norma – o que ainda não foi feito – e module os efeitos da decisão nos termos propostos pelo Min. Dias Toffoli, perpetuará o quadro de inconstitucionalidade até o exercício financeiro seguinte ao do término do julgamento, prejudicando os milhões de contribuintes que não questionaram a alíquota do ICMS-Energia Elétrica perante o Poder Judiciário antes da publicação da ata de julgamento do Recurso Extraordinário nº 714.139.

Por isso, a judicialização do tema mais uma vez se mostra pertinente e recomendável, já que a modulação dos efeitos deve, de alguma forma, melhor resguardar o direito daqueles que levaram a discussão para análise do Poder Judiciário antes de sua definição.