Já há algum tempo os meios alternativos de resolução de conflito vêm sendo largamente estimulados em todo o mundo, trazendo importantes resultados para diversos países que se utilizam destes instrumentos. Em recente estudo, a OCDE analisou a repercussão dos métodos de resolução de conflitos entre Fisco e Contribuinte na Australia, constatando resultados satisfatórios principalmente em decorrência da melhora do senso de justiça dos contribuintes trazido pela negociação.

No Brasil não é diferente.  O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao prever expressamente o dever de juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estimularem a conciliação, mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos, em um cenário apelidado como sistema multiportas, a fim de colocar o Judiciário como apenas uma das alternativas possíveis para solução de conflitos e quem sabe até a menos indicada delas, diante da morosidade e custos que envolvem um processo judicial.

Na esfera tributária, a União – pessoa jurídica sabidamente com o maior número de ações judiciais em curso -, através da Lei nº 13.998/2020, trouxe a possibilidade de transação resolutiva de litígio, finalmente dando efetividade ao art. 171 do Código Tributário Nacional, que desde 1966 esperava por regulamentação. De lá para cá, foram diversas as instruções normativas e decretos que estabeleceram condições e prazos para transações extraordinárias entre a Fazenda Nacional e Contribuintes em situações especificas e ainda bastante engessadas, mas que já sinalizam a possibilidade de flexibilização na negociação em um futuro cada vez mais próximo.

Alguns Estados e Municípios estão seguindo o mesmo caminho da União e em alguns casos indo além, a exemplo do Município de Porto Alegre que deve ser o primeiro a implementar a mediação tributária no País, inclusive para créditos tributários ainda não lançados.

O Conselho Nacional de Justiça, ratificando a importância e cabimento da transação na esfera tributária, recentemente emitiu a recomendação nº 120 para que os juízes priorizem, sempre que possível, a solução consensual de controvérsia, estimulando a negociação, mediação ou transação tributária.

De fato, esse crescente movimento de estímulo a autocomposição na esfera tributária é um grande avanço, principalmente diante da grave crise que o sistema judiciário enfrenta, mas para que a resolução de conflito, por vias alternativas, possa se difundir e concretizar torna-se indispensável uma mudança de postura das Autoridades Fiscais e dos Contribuintes.

A falta de clareza, objetividade e excesso de leis/atos normativos fazem com que controvérsias jurídicas surjam de forma recorrente. Para agravar, o clima de desconfiança e rivalidade entre Fisco e Contribuinte torna o cenário ainda mais propenso para interpretações de ambas as partes que mais a beneficiem, seja o Fisco em busca de maior arrecadação a fim de ampliar a incidência ou restringir benefícios, seja o Contribuinte utilizando-se de mecanismos legais para reduzir a incidência de tributos.

Em nosso dia a dia, percebemos que em sua grande maioria os contribuintes se encontram com dificuldades financeiras, deixando de recolher os tributos não por liberalidade, mas sim por não terem recursos para arcarem com outras despesas, do que servem de exemplos a folha de pagamento de funcionários, custos fixos e fornecedores.

Por outro lado, os Agentes Fiscais devem se ater ao quanto previsto em lei, não lhes sendo permitido ampliar ou restringir a abrangência de lei através de atos infralegais, gerando insegurança jurídica, falta de previsibilidade e discussões infindáveis sobre questões sabidamente controversas.

Nesse ponto, vale observar que a modulação dos efeitos das decisões que vem sendo corriqueiramente levadas a efeito pelo Supremo Tribunal Federal acaba por estimular o prolongamento de discussões e controversas por parte do Fisco. No cálculo do “custo-benefício”, os entes federados acabam “comprando a briga” judicial pela certeza de que, com a modulação dos efeitos, ao final os valores arrecadados de forma indevida serão imensamente maiores do que seus custos com restituição e processos judiciais.

É sabido que os cidadãos brasileiros, tão sofridos com as notícias de  desvios de dinheiro e atos de corrupção de seus dirigentes, não possuem a merecida confiança no Poder Público e  normalmente consideram o pagamento de impostos não como o exercício de cidadania e colaboração para a sociedade, mas sim como um meio de se livrar de cobranças repressivas e que, por vezes, ganham contornos criminais por parte do Estado.

O Fisco sempre vem apertando o “cerco”, com cobranças agressivas contra o contribuinte, promovendo cruzamento de informações, impondo obrigações fiscais desarrazoadas e desproporcionais, muitas vezes fazendo com que a empresa e seus sócios passem por situações vexatórias, como ocorre no caso dos protestos tão comuns atualmente, além de representação criminal etc.

Os Estudiosos em negociação e resolução de conflitos são unânimes em afirmar que essa forma de cobrança agressiva não traz os melhores resultados. O ideal é buscar a melhor alternativa para atender as pretensões e necessidades de ambas as partes: “expandir a torta para somente depois dividi-la”. Essa é, por sinal, a teoria da negociação preconizada e difundida pelo Programa de Negociação da Faculdade de Direito de Harvard que bem se aplica ao momento empresarial vivenciado.

A mudança de postura de ambas as partes precisa ser implementada para que Fisco e Contribuinte se sentem à mesa como colaboradores, visando o bem comum, sempre pautados pelos princípios da boa-fé e da confiança legítima. Se prevalece no direito tributário o princípio da legalidade estrita, a lei que de forma legítima cria uma expectativa de direito no contribuinte não deve ser submetida a interpretações tendenciosas por qualquer das partes. Antes de qualquer reforma tributária, é necessária a reconstrução da boa relação entre Fisco e Contribuinte.

 

Roberta Maia Broder, advogada tributarista, sócia do Nogueira Reis Advogados, Mestranda em Direito Tributário Profissional pela FGV e especialista em negociação pelo Program on Negotiation, da Harvard Law School.